«TER PÁTRIA NÃO É NASCER NUM CERTO SÍTIO, É TER DE COMER, TER CASA, ESCOLA, ASSISTÊNCIA MÉDICA». Av. Dr. Magalhães Lemos. Edifício Impacto, Bloco 21. befelgueiras@gmail.com Telemóvel 917684030
Sexta-feira, 1 de Abril de 2005
José Gil - Portugal Hoje I
O PAÍS DA NÃO INSCRIÇÃO
[...] Em Portugal nada acontece, «não há drama, tudo é intriga e trama» [...]
[...] O 25 de Abril recusou-se [...] a inscrever no real os 48 anos de autoritarismo salazarista. Não houve julgamentos de Pides nem responsáveis do antigo regime. Pelo contrário um imenso perdão recobriu com um véu a realidade repressiva, castradora, humilhante de onde provinhamos. Como se a exaltação afirmativa da «Revolução» pudesse varrer, de uma penada, esse passado negro. Assim se obliterou das consciências e da vida a guerra colonial, as vexações, os crimes, a cultura do medo da pequenez medíocre que o salazarismo engendrou. Mas não se constrói um «branco» (psíquico ou histórico), não se elimina o real e as forças que o produzem, sem que reapareçam aqui e ali, os mesmos ou outros estigmas que testemunham o que se quis apagar e que insiste em permanecer.
Quando o luto não vem inscrever no real a perda de um laço afectivo (de uma força), o morto e a morte virão assombrar os vivos sem descanso.
Num outro aspecto ainda, a não-inscrição aparece mais grave por não se ter liquidado a si própria, já que a herdámos também do salazarismo.
Se, num certo sentido, se disse até há pouco (hoje diz-se menos) que «nada mudou» apesar das liberdades conquistadas, é porque muito se herdou e se mantém das antigas inércias e mentalidades da época da ditadura: desde o medo, que sobrevive com outras formas, à «irresponsabilidade» que predomina ainda nos comportamentos dos portugueses.
José Gil - PORTUGAL HOJE: O Medo de Existir