Democracia e Ética
A democracia é, neste início do século XXI, um imperativo decorrente da contemporaneidade. Os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade mais do que proclamados exigem a vivência democrática. A democracia não se proclama: pratica-se. Não nos esqueçamos que para os gregos - que a inventaram - democracia significava: governo dos e pelos cidadãos. Representativa, ela exige - hoje - dos cidadãos competências que respeitem os seus princípios, regras e mecanismos - princípio da maioria, da igualdade formal, da representação de todos, do parlamentarismo; pluralismo e existência de oposição, a garantia do respeito das liberdades públicas fundamentais (expressão, reunião, opinião); leis consagradas numa Constituição, Tribunais...
A vigilância, o controlo e o respeito pelas instituições são palavras de ordem que na era da globalização económica e mediática urge relembrar e praticar.
A concepção do homem como sujeito livre fez da democracia um valor: ela corresponde quer à exigência de reconhecer a liberdade, quer ao meio político de fazer existir a liberdade. Apesar de algumas discrepâncias o ideal democrática é reinvindicado tanto pelo liberalismo como pelo anarquismo ou pelo socialismo.
Para os gregos o pressuposto da democracia é o da regulação das relações entre os homens, não é a violência nem a lei do mais forte, mas a capacidade de persuadir e de convencer, a possibilidade de os homens se ouvirem, de se entenderem, de debaterem, de criticarem, de apresentarem razões, de chegarem a consensos ou, pelo menos, a acordos que possam valer para a comunidade.
O regime democrático imperfeito nas suas raízes helénicas e limitado nos regimes liberais é hoje o mais frágil e fraco dos regimes. De tal modo que quando perguntaram a Winton Churchill o que pensava da democracia ele terá respondido que seria O pior dos regimes com a excepção de todos os outros.
Os mais recentes acontecimentos que lamentavelmente se vêm registando no nosso país: os escândalos políticos, as fugas ao fisco, os abusos sexuais sobre menores, as corrupções, os abusos do poder, o clima de suspeições generalizadas bem como o clima - insuportável - de impunidade do qual, aparentemente, as figuras mais importantes e mais mediáticas beneficiam, levam os cidadãos menos preparados a questionarem o funcionamento do nosso regime democrático e a dele descrerem.
O último episódio - absolutamente intolerável -, que hoje, Domingo, revejo na televisão, foi a agressão vil e cobarde de um grupo por demais exaltado, ao dirigente da Comissão Política da Distrital do Porto do partido socialista. Esta aberração foi levada a cabo, imagine-se, pelos próprios correligionários de partido. Tão chocante como a agressão é a ausência de espírito crítico e mesmo a perspectiva amoral demonstrada por algumas pessoas entrevistadas (felizmente uma minoria).
O princípio do livre-exame não é independente de uma concepção democrática da sociedade. O livre arbítrio e a capacidade de decisão inerente implicam a defesa activa da democracia constitucional.
A democracia é um regime menos eficaz do que um regime autoritário. Donde resulta que é sempre um regime ameaçado, sempre precário e que é preciso defender. As fragilidades do regime democrático advêm-lhe de: não sendo impositivo, estar exposto ao crivo da análise e da crítica; não visando perpetuar o exercício do poder, possibilitar a instabilidade; apregoando o pluralismo, tornar-se, aparentemente, mais débil. Mas não esqueçamos que por trás deste frágil, porque flexível, sistema estão pessoas que procuram a liberdade que lhes dá sentido a uma vida em que se persiste a luta pela dignidade humana, que consiste, na própria capacidade de resistir a tudo o que seja intolerante ou que se apresente sem ponta de razoabilidade. A democracia hodierna não se pode compreender sem a referência à liberdade.
Toda a liberdade implica uma certa desordem tal como toda a ordem implica um certo constrangimento.
É dentro destes parâmetros que temos de saber construir permanentemente o nosso regime democrático.
J. Santos Pinho
Ética e Política
As relações entre ética e política tornaram-se, nos dias de hoje, um assunto extremamente delicado. A cidadania está, nos inícios do século XXI, cada vez mais divorciada da competência política dos indivíduos e do seu envolvimento activo nos processos de discussão e de decisão política.
A luta pelo poder quase anula e dispensa ideologias e princípios filosóficos que dão alma aos ideários políticos.
Num clima de descrença generalizada no qual a utopia já não vinga, na vaga da desconfiança crescente em que os escândalos, a corrupção e a falta de transparência agravam a suspeita que pesa sobre os políticos e os seus discursos, a clivagem entre ética e política acentua-se cada vez mais. A isto acresce o facto de à política, vocacionada que está para a organização da sociedade e da vontade geral, interessar sobretudo a obtenção de resultados.
A política visa, sobretudo, a obtenção de certos fins, deixando para segundo plano a consideração da questão dos meios. Se aceitarmos válida esta premissa, que separa o social do político, e assenta na eficácia e na manutenção do poder político, então facilmente chegaremos à concepção de Maquiavel de que os fins justificam os meios. Estamos, contudo, numa perspectiva na qual a política surge como um campo autónomo, sendo os seus domínio e objectivo, respectivamente, a luta pelo poder e a sua manutenção. Nesta concepção, as questões de ordem ética aparecem subordinadas às questões da utilidade política. Esta política não é necessariamente norteada por princípios éticos.
Consideramos que a relação entre os meios e os fins tem de ser equacionada a partir da interligação do político e do social. São certos valores que é necessário acautelar. Assim, os fins não justificam os meios, se esses meios contrariarem princípios éticos fundamentais. A política é posta ao serviço de valores que promovem a edificação de uma sociedade mais justa, com acrescidas e melhoradas condições de cidadania.
Haverá uma comunidade política eticamente desejável?
Se almejarmos tal propósito temos de fundamentar razoavelmente três ideias de suporte que a organização política terá de pautar:
- possibilitar a liberdade;
- promover a justiça e a dignidade;
- desenvolver a assistência e fomentar a solidariedade e a defesa dos direitos humanos.
Assim:
O sistema político que desejamos terá que respeitar ao máximo as componentes públicas da liberdade humana: a liberdade de nos reunirmos ou de nos separarmos, a de trabalhar de acordo com as nossas vocações ou interesses, de exprimirmos as nossas opiniões e/ou inventarmos a beleza e a ciência, a de intervirmos nos assuntos públicos, de nos deslocarmos de um lugar para o outro e nos instalarmos aqui e ali livremente, a liberdade de escolhermos os nossos prazeres do corpo e da alma. Porque o nosso maior bem - individual e colectivamente - é sermos livres, devemos rejeitar toda e qualquer forma de ditadura.
Todo o ser humano tem dignidade e não preço. É a dignidade humana que nos torna todos semelhantes, justamente porque certifica que cada um de nós é único, detentor dos mesmos direitos a ser socialmente reconhecido como qualquer outro. Por isso devemos ser capazes de nos pormos no lugar dos nossos semelhantes e de relativizar os nossos interesses para os harmonizarmos com os deles. A esta virtude chama-se justiça, e não pode haver regime político decente que não pretenda, por meio de leis e instituições, fomentar a justiça entre os membros de uma sociedade.
Levarmos os outros a sério, pondo-nos no seu lugar, implica tanto reconhecer a sua dignidade de semelhantes quanto também em simpatizarmos com as suas infelicidades. Com as suas dores, azares, acidentes, necessidades biológicas, que a todos nos podem, um dia, atingir. Debilidades insuperáveis, velhice, abandono, doenças, perdas do que nos é mais querido e/ou mais indispensável, ameaças e agressões violentas por parte dos mais fortes ou menos escrupulosos...
Uma comunidade política desejável deve garantir, tanto quanto possível, a assistência comunitária aos que sofrem e a ajuda aos que, por qualquer razão, pouco ou nada podem ajudar-se a si próprios.
J. Santos Pinho
A sociedade civil
Portugal ainda não se habituou a viver plenamente a democracia. Mais grave ainda, a democracia começa a, progressivamente, ser posta em causa por não saber atrair a si a atenção da população. Sempre que se fala na acção dos partidos e dos políticos é para denegrir a tal democracia que se arredou dos cidadãos.
Vão-se (re)criando as ideias que os políticos são, na generalidade, corruptos. Que quem anda na política é oportunista, vaidoso e pouco sério. Daqui ao: «deixe-se a política aos políticos» vai um passo. Estas ideias recorrentes ao longo da nossa história recente não são tão ingénuas como podem, à primeira vista, parecer. Antes pelo contrário, são estratégias de desmobilização perfeitamente concebidas para fins muito bem determinados.
Nos outros países da Europa as pessoas fazem valer as suas ideias: contestam, organizam-se, mobilizam-se, independentemente dos partidos e/ou dos sindicatos, associam-se por causas comuns, reivindicam e fazem propostas, pressionam o poder instituído para a realização dos seus propósitos. Não ficam à espera que os políticos, alheados das realidades/dificuldades das respectivas populações tenham sensibilidade para os resolver.
Lemos recentemente que só cerca de 5% da população portuguesa estaria filiada nos partidos políticos existentes. Se deixarmos a política para os políticos estes números não deixam de nos arrepiar. Quantas propostas de leis, projectos ou sugestões, apresentados na Assembleia da República por representantes não partidários foram aprovadas em 30 anos de regime democrático? Que tenhamos conhecimento: nenhum!
A deficiente prestação da sociedade civil - composta por todos aqueles que se recusam a ser arregimentados pelos partidos políticos - tem custos na consolidação da democracia e paga-se, consequentemente, no desenvolvimento do país. Esta falta de hábitos não tem a ver com a capacidade de cada um dizer e/ou escrever o que pensa ou até de se associar, mas com uma inexistente capacidade de intervenção concreta na vida quotidiana das populações. Ver por exemplo os cívicos debates e as oportuníssimas conclusões geradas em torno das áreas metropolitanas ou das comunidades urbanas, para dar só um exemplo.
O país está deprimido, as pessoas tristes, maldizentes e pouco crédulas. E a História, porque a verdadeira história é recorrente, repete-se. Já na 1ª República o esmagamento das classes médias, as dificuldades económico-financeiras, a instabilidade social e a agitação política, abriram caminho à ditadura do Fado, de Fátima e do Futebol. A 3ª República reduziu de três para um os efes. Agora anestesia-se o povo com os podres do futebol. Quanto mais tempo ocupar o futebol menos atenção resta para discutir os verdadeiros problemas do país.
E, formatado na ditadura salazarista da 2ª República, o país é o que se vê. Habituadas a um Estado omnipresente e omnipotente as pessoas esperam dele a resolução de todos os seus problemas. Acreditam que pouco, ou nada, vale a pena fazer porque isto de mudar o país é coisa dos políticos. Cada um trata da sua vida, finge que não vê os problemas alheios, engana o estado quando e quanto pode. Não será por acaso que Portugal aparece nas estatísticas como um dos povos mais desconfiados do mundo.
É necessário criar uma 4ª República que se fundamente na participação efectiva dos cidadãos, que não distorça os princípios da democraticidade, da legitimidade e da verdadeira representatividade. Na qual as pessoas não sejam simples espectadores mas actores na construção das suas realidade quotidianas.
J. Santos Pinho
«A Engenheira das utopias»
Assim lhe chamou um dia a sua amiga e apoiante política Natália Correia.
Morreu, na semana passada, a senhora engenheira Maria de Lourdes Pintasilgo no momento perplexo e sombrio que a nossa democracia atravessa. Creio mesmo que o mais difícil dos períodos dos governos constitucionais pós 25 de Abril.
Maria de Lourdes Pintasilgo foi uma Mulher de grande capacidade interventiva, dotada de uma sólida sabedoria, alicerçada num impecável sentido cívico que a conduzia a uma imperativa necessidade de participação na vida da comunidade.
Todos os desfavorecidos tinham nela uma referência de vida. Mulher de relevo em diferentes áreas da vida social, cultural e política, ao seu testemunho de vida se devem: o reconhecimento do papel das mulheres na sociedade (primeira mulher primeiro-ministro no nosso país, primeira candidata à presidência da República), o aprofundamento e enriquecimento da vida democrática (escrevendo artigos de opinião, participando em foruns e reconhecida internacionalmente entre a nata intelectual e política mundial), e até, a renovação da experiência religiosa cristã (o Graal).
Maria de Lourdes Pintasilgo abriu horizontes ao debate político, com grande poder de comunicabilidade despertou muitos jovens para os problemas sociais e políticos. Nunca assumiu uma postura conformista, foi incómoda, perturbadora, desafiadora. Foi profeta na melhor tradição judaico-cristã, sempre defendeu a igualdade, a fraternidade, a verdade e a justiça (afinal os valores pelos quais Jesus Cristo foi crucificado). O seu entendimento de democracia participativa, a sua opção pelos mais desprotegidos valeram-lhes grandes críticas da direita conservadora e trauliteira que a designava de terceiromundista. O mundo nunca aceita nem tolera facilmente aqueles que defendem os grandes valores.
De Maria de Lourdes Pintasilgo pode dizer-se que é das personalidades que obrigou as pessoas a reverem-se por dentro. Deu-se por inteiro às causas que abraçou. Que dizer da sua acção em áreas e organizações não governamentais? Nos movimentos de reflexão política, de justiça social? Nos movimentos das mulheres e nas artes?
Tive a felicidade de a acompanhar em dois grandes comícios da sua candidatura à presidência da república: em Lisboa e nesse imbatível comício de Abrantes (donde era natural). A sua alegria de viver contagiava tudo e todos, a convicção que punha em tudo o que fazia e dizia não deixava ninguém indiferente, mesmo entre os adversários políticos que muito respeitava.
Noticiam os jornais que o seu corpo ficou sepultado num gavetão do cemitério dos Prazeres, sem exéquias de Estado ou luto nacional (que governos estes que condecoram militares desertores e nada fazem para enaltecer os seus maiores!).
Maria de Lourdes Pintasilgo é já memória colectiva de Portugal. Não ainda do Portugal que almejou: «o de um projecto colectivo que projectasse o país para um plano de afirmação internacional correspondente ao desenvolvimento real e justo da sociedade portuguesa».
Acalentar essa Utopia é a única forma de homenagearmos a sua memória. A memória histórica encarregar-se-á de lhe fazer justiça e a dignificar.
Com Maria de Lourdes Pintasilgo aprendemos a conceber a democracia como uma aspiração em constante renovação, aprendemos que a sua vitalidade está na participação activa e consciente dos cidadãos. Que não há democracia sem redistribuição económica e social, sem ética nem dignidade humana. Sem a igualdade entre homens e mulheres, negros e brancos, entre etnias e religiões.
Procuremos um cosmopolitismo que assente as suas bases na tolerância e na interculturalidade para que estamos fadados.
J. Santos Pinho
Gostaria de ser optimista
No tempo da guerra fria assistia-se a acesas polémicas e grandes lutas entre a esquerda e a direita. Discordava-se, discutia-se, esperneava-se, reflectia-se e, com base no livre arbítrio, fundamentavam-se opiniões.
A globalização da informação não trouxe só coisas positivas. Paradoxalmente quanto maior é a panóplia de meios de comunicação mais acrítica se transforma a opinião dos cidadãos. Então as televisões e os seus fazedores de opinião estupidificam completamente um público semi-analfabeto.
A transformação do mundo num complexo jogo de interesses puramente económicos e egoístas banaliza a vida das pessoas quebrando a seriedade e o respeito que todo o ser humano deve possuir.
Esta reflexão vem a propósito do esgotamento que vai tomando conta do homem contemporâneo diante do caos, do irracional, da intolerância e da injustiça. Banalizar, como dizem os brasileiros, parece ser o verbo da moda. Banalizam-se a guerra, a violência, a política, a religião, a droga, o sexo e a vida.
As pessoas, sem perspectivas e sem projectos de vida (embora rodeadas de bandeiras de luta que podem empunhar e pelas quais devem combater) parecem cansadas, desiludidas, esperando que alguém faça por elas aquilo que deveriam fazer.
Em lugar de serem os protagonistas da sua própria história, aguardam um desses momentos em que a História lhes oferece as grandes mudanças, as grandes revoluções. Trinta anos depois do 25 de Abril e, praticamente, adulterados os seus ideais, precisam de uma nova revolução!
O português nunca desiste ou nunca aprende?
Acredito que uma verdadeira revolução virá. Acreditem os mais cépticos que virá. Tenho a certeza. Com ou sem rebuscadas teorias de laboratórios académicos neoliberais, com ou sem determinismos históricos ou consciências socialistas envergonhadas. Porque o mundo ainda se divide entre os que têm sempre mais capital e os que cada vez ganham menos e estão cada vez mais sem trabalho. Veja-se o caso dos países mais ricos, como previa o bom velho Marx.
Entramos no século XXI sob o signo da arrogância, do fundamentalismo, do terrorismo (mais grave o dos Estados), da indiferença, dos massacres, de insanidade colectiva.
Mas como até a democracia do poder económico precisa dos votos dos miseráveis e dos analfabetos, ainda acredito nos valores perenes do humanismo e da solidariedade com os quais aprendi a viver. Acredito numa sociedade mais justa: menos desigualitária, mais distributiva, mais solidária e libertária, ideias estas que, já, vêm dos séculos XIX e XX.
J. Santos Pinho
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